LUIZ CECHELLA
- filho de Luigi Cecchella -




Sobrenomes nesta página: ACHUTTI, ADAMY, CECCHELLA, CECHELLA, ISAIA, KOEHN, MELLO, ROBINSON, SPLETTSTOSSER, SCHLEINIGER.


Abaixo é transcrito depoimento de uma das filhas de LUIZ CECHELLA.


Vivências da família de LUIZ e AMANTINA CECHELLA
(contadas pela filha Luiza e registradas pela neta Helena Cechella Achutti)
.


Os primeiros anos em Santa Maria
Uma vez em Santa Maria, Luigi e sua família passaram a residir nas terras de propriedade da família Link, localizadas nas cercanias dos morros na região norte da cidade. Luiz era menino pequeno, 6 anos aproximadamente. Seus avós maternos, Pedro e Maria, moravam na mesma propriedade, com acesso à rua Marechal Deodoro (lado oposto ao da Fábrica Cirila), no Itararé. Todos os dias, pela manhã, Luiz ia à casa dos avós para raspar e saborear a nata da panela do leite que a avó guardava para ele.

Sabe-se que no tempo de Luiz mocinho existia na rua do Acampamento (direção tomada diariamente por ele ao deslocar-se para o trabalho), a fábrica de esquadrias e móveis Kmohan. Acreditamos que para lá dirigia-se Luiz.

Houve tempo em que seu local de trabalho era uma fábrica de móveis – talvez a Ellwanger - situada na Avenida Rio Branco, a duas quadras da Estação da Viação Férrea. Conforme relato do próprio Luiz, ele observava Amantina que, vindo do Pinhal, se hospedava na casa de familiares, em frente à fábrica. A casa dos familiares de Amantina ficava onde, mais tarde, foi construído o Edifício Brilman.

Uma pequena família
Já formando uma família, Luiz e Amantina residiram na rua Silva Jardim, nas proximidades da hoje Secretaria do Bispado. A casa era propriedade da mãe de Luiz, Maria Luiza, que morava perto. Ali, nasceu Nilo, terceiro filho do casal. Também foi enquanto residiam nesse local que Luiz levou no colo sua filha Luiza, ainda pequenina, para ver os fogos de artifício, lançados nas proximidades da Catedral, provavelmente, por ocasião da novena de Nossa Senhora da Conceição. Luiza pediu para pegar algumas daquelas “estrelinhas”. Luiz, seu pai, respondeu: - “sim, amanhã nós vamos buscá-las!”

Os passeios
Nos domingos à tarde, Luiza e as outras crianças da casa iam com o pai ver filme seriado (no Coliseu?!), também, ao circo quando havia oportunidade. Entre as diversões das crianças estavam jogos de carta – mico, escova. Luiz participava de jogos de bolão e de tiro ao alvo (registros de sua participação em competições de tiro ao alvo encontram-se no Clube Santamariense).

Era costume as famílias saírem a passear juntas nos arredores da cidade: assim o faziam a família de Luiz e Amantina com a de Venâncio Schleiniger e D. Tudinha, seus compadres e vizinhos da rua Silva Jardim. Os pais, nessas ocasiões, pescavam.

Outras vezes, Amantina com os filhos e, também, acompanhada da vó Maria Luiza, tomavam carro movido a cavalos, na Avenida Rio Branco, proximidades da Vale Machado, para visitar os tios Eva, irmã de vovó, e João Weber que residiam em uma chácara, com córrego, próxima à Chácara das Flores. Sempre havia café da tarde quando lá chegavam. Participavam das festas da família: casamento do João, da Júlia, da Luiza ... animadas por Valentim que tocava gaita.


Os irmãos Cechella (da esquerda para a direita:
Walter, Luiza, Edith e Nilo.
(Foto V. Schleiniger - 1918).

Os avós do Pinhal e o caminho da serra
Os pais de Amantina, Margarida e Frederico, vinham com certa freqüência a Santa Maria, comumente a cavalo, a avó usando o selim. O avô vinha mensalmente receber o soldo de participante da Guerra do Paraguai. A avó, algumas vezes, aproveitava para ir ao médico, acompanhada pela Amantina. Em 1922, os avós vieram para as comemorações do Centenário da Independência; nessa ocasião os cavalos de sua carruagem (aranha) se assustaram ao entrar na cidade, tendo a avó Margarida se machucado. Para encanto de toda a população, houve revoada de aviões naquele dia.

Para visitar os avós do Pinhal, Luiz e Amantina com os filhos ainda pequenos, comumente, iam de trem até a Estação do Pinhal. O avô Frederico ia esperá-los. Algumas vezes subiram a serra a pé. O avô mandava um meio de transporte (cavalo, aranha) aguardá-los no caminho. Ao chegar, encontravam a vó Margarida esperando-os no portão de sua moradia. Algumas vezes, desceram a serra a pé, ao voltarem para casa. O avô os acompanhava até o perau, montado no cavalo baio, a Luiza no petiço de sua prima Erna.

Relações entre os familiares
Luiz, solícito, ocupava-se com os familiares de Amantina, especialmente, enquanto seus pais viveram. Ia esperar na Estação Ferroviária os que vinham de Porto Alegre e se dirigiam ao Pinhal e aqueles que faziam o caminho inverso. Suas irmãs vinham para a casa de seus pais na época das frutas para fazer doces e, também, no período das férias, trazendo consigo seus filhos pequenos.

A casa dos avós do Pinhal foi um local de vivência inesquecível, abrigando toda a família. O período de infância foi o de maior convívio entre os primos do lado materno.

Quando os pais de Amantina não mais viviam, Balduino, irmão solteiro que desde criança necessitara de cuidados especiais, passou a fazer parte do convívio familiar de Luiz e Amantina.

A “Espanhola”
No tempo da epidemia chamada “gripe Espanhola” (1917), Amantina ficou muito doente e permaneceu por um longo período na casa de seus pais, no Pinhal. Luiz e as crianças, seus filhos, também adoeceram. Luiza, certo dia, sentindo-se indisposta encostou-se nos colchões que estavam ao sol; acordou dentro de casa, alguém a levou, provavelmente, seu pai, Luiz. O pequeno Nilo foi quem apresentou sintomas mais leves; acreditava-se na época, que era devido ao fato de ele gostar de comer cebola crua. Aliás, para prevenir e amenizar doenças, vovó Maria recomendava o uso do alho e do conhecido, bálsamo-alemão.

Luiza, Edith ... as primas, o internato
O convívio de infância com os primos se manteve na juventude. Luiza e Edith iam passear na casa das tias Anatália, Laurentina, Visa (Maria Luiza) em Porto Alegre. Com as primas Aidê, Ada e Erna escolhiam tomar chocolate no Café Colombo ou comer caquinhos de waffle na confeitaria Schramm. Ir ao teatro fazia parte dos passeios. Por ocasião do batizado da prima Lory, quando Amantina, Luiza e Ary pequenininho foram a Porto Alegre, Anatália levou-os a ver a Catedral que estava sendo construída, era, então, apenas a cripta em construção.

Certa vez, as primas ganharam chapéu Florentino, de palinha com flores, Amantina comprou para as suas filhas também. Falava-se que as florinhas estavam com os arames enferrujados porque os chapéus tinham vindo de navio, pelo mar.

No período de tempo que Luiz trabalhou na empresa de arroz, Amantina o acompanhou. Edith ficou no internato, estudando no Colégio das Irmãs, em Silveira Martins. Luiza, já tinha completado seus estudos, ficando algum tempo com as tias em Porto Alegre, depois, foi para Silveira Martins com a Edith onde aprendera a bordar, desenhar; também ajudava a Irmã-professora, ensinando os meninos menores. Salientava que os meninos não estudavam com as meninas; suas aulas eram ministradas em prédios distintos.


As irmãs Luiza e Edith Cechella (1926)
(Foto Atelier Victoria - Porto Alegre/RS).

Na rua André Marques a fábrica de móveis
Quando Luiza casou, Amantina e Luiz (38 anos) moravam, já há algum tempo, na rua Cel. André Marques, n° 110. O casamento civil foi realizado na casa da noiva; havia um lindo abajur com lembrançinhas pendentes alusivas à data! O casamento religioso foi celebrado na Igreja Nossa Senhora da Conceição, Catedral de Santa Maria, pelo Cura Padre Caetano Pagliuca.

Ao lado da casa da família estava instalada a fábrica de móveis de Luiz. Espírito jovem, brincalhão, gostava de pular uma janela da fábrica, de pouca altura, para ir tomar café em casa onde sempre havia um bule de café sobre o fogão. A proximidade do local de trabalho do pai é revelada por uma ou outra prática adotada pelos filhos crianças: para limpar figos iam à procura da groza fina. Denominaram “maravalha” uma guloseima, massinha fina com um corte no meio que permite revirar as bordas, de aspecto semelhante a asparas de madeira.

Havia um campinho nas proximidades, onde os meninos jogavam bola; alguns de seus colegas de aula, entre eles José Mariano da Rocha, o Juca, e outros vinham associar-se a eles nos jogos.


Interior da fábrica de móveis Titze & Cechella, na rua André Marques, nº 110
Luiz Cechella no centro, com roupa clara.


Interior da fábrica de móveis Titze & Cechella, na rua André Marques, nº 110.
Sentados (da esquerda para direita: 3º Neumaier, 4º Luiz Cechella, 5º Titze.
Em pé (da esquerda para direita): 2º Domingos Zurlo, 3º Brenner, 4º Leidner.

A mãe ... os afazeres da casa
A mãe, Amantina, fazia seguidamente sonhos à tarde. Comcerta freqüência, preparava pão-de-ló para os guris alimentarem os passarinhos que criavam. Junto com outras senhoras amigas, mandou fazer um baldezinho, recipiente mais fundo do que largo, para bater a massa do pão-de-ló.

Todos os filhos ajudavam nos afazeres da casa. Houve períodos em que auxiliares domésticas (Manuela, Conceição, bem mais tarde Zenaide) participaram das tarefas caseiras; também serviram de companhia para os filhos, crianças, quando os pais, ainda moços, saiam juntos à noite. Conceição não cuidava dos guardanapos de papel, com biquinhos e recortes, do armário da cozinha; Luiza reclamava!

A nova moradia...
No início dos anos trinta, a família já se encontrava residindo à rua Floriano Peixoto, nº 30, esquina com a Pinheiro Machado, hoje, Manuel Ribas. Luiz construíra sua casa, grande chalé, no loteamento de propriedade da família Di Primio Beck, cujos lotes fora o responsável pela venda.

Os filhos Nilo, Walter, Ary, então, estudando no “ Gymnasio Santa Maria”. Luiza dedicada às suas filhas Lia e Helena. E em meio a uma profusão de margaridas realizou-se, na casa, as cerimônias de casamento, religioso e civil, da filha, Edith.

O tempo foi passando...

Somaram-se mais netos à família... Ocorreram formaturas e casamentos...

A pequena casa
Em meados dos anos quarenta, Luiz e Amantina constroem para morar uma nova, agora, pequena casa de alvenaria, ao lado da anterior, junto à esquina da rua Manuel Ribas, à rua Floriano Peixoto, nº 111.

Destaque e orgulho eram para Luiz e Amantina as fotografias das duas filhas quando mocinhas e de formatura dos três filhos que ornamentavam a parede da sala.



LEMBRANÇAS QUE TEMOS DE NOSSOS AVÓS LUIZ e AMANTINA CECHELLA

Abaixo, leia os depoimentos feitos por alguns de seus netos:

Vovô Luiz e Voinha - Lia Maria Cechella Achutti

Luiz e Amantina, meus avós - Maria Helena Cechella Achutti

Recordando Vovô e Vovó - Yolanda Isaia de Mello

Meus avós Luiz e Amantina Isabella - Luiz Fernando Cechella

Carta para meu avô - Inês Isaia Splettstosser



VOVÔ LUIZ E VOINHA

Lia Maria Cechella Achutti.


Lembranças: a casa - o jardim - a família - os amigos - as coisas deles...

A casa - Era situada à rua Floriano Peixoto. Lá, havia um grande chalé de madeira com jardim na frente, maior ao lado direito; nos fundos, arvoredo e horta. Na entrada, uma área aberta dava para a saleta e escritório do vovô, com móveis feitos por ele: “bureau”, cadeiras, chapeleira e o telefone de manivela. Logo após o escritório, uma varanda bem ampla, com duas janelas e uma porta para o jardim. Do lado esquerdo da casa, dois quartos grandes, o da frente era para hóspedes (turma de Porto Alegre) ou para um dos filhos, tio Nilo. O segundo quarto, talvez maior que o da frente, era do vovô e da vovó, com duas janelas grandes; através delas podia-se observar o terreno de esquina, vazio, local onde, mais tarde, o vovô construiu sua casa de alvenaria. Após a varanda e os dois quartos grandes, um curto corredor dava para dois quartos menores, um de cada lado, do tio Walter e do tio Ary. A cozinha era muito ampla, ocupava quase toda a largura da casa. Havia uma área fechada nos fundos, comunicando com a despensa e o banheiro.


Os cinco filhos de Luiz e Amantina Cechella (da esquerda para a direita): Ary, Luiza, Nilo (sentado),
Walter e Edith, 1930 (Foto de V. Schleiniger).

O jardim – Havia um poço próximo à área dos fundos. Este poço servia também de geladeira para o vinho, a água e algumas frutas que eram colocadas em um balde, pelo vovô. Parreira grande; árvores frutíferas: laranjeira, tangerina, pessegueiro, ameixeira, figueira, amoreira, pereira, limoeiro e outras. A amoreira, porque por algum tempo, o tio Ary cultivou o bicho da seda. Flores: margarida em profusão, hortência, cravo, rainha margarida, rosa, violeta, bela-emília, maravilha e palmas.

A família, os amigos... - Vovó Amantina tinha muitas amigas e cultivava as amizades. Gostava de visitá-las, levando, comumente, os netos. O caminho destas visitas já era uma festa, pois íamos sempre a pé, conhecendo ruas, casas de amigos e, passando, às vezes, por obstáculos como uma pinguela que havia sobre o arroio Cadena (rua 7 de Setembro), na época, limpo e caudaloso. Lembro que, uma ou outra vez, o tio Walter ou tio Ary, juntos, nos encorajaram na travessia da pinguela.

Visitávamos, na rua Marechal Deodoro, a tia Ana, as primas Cecília e Aura; as famílias Sauer, Link, Weber, Gauer, Agne, Verner, Laidner, Neumaier; também a tia Regina que morava à rua República do Líbano e vovó Maria quando foi morar ao lado da tia Regina.

No Pinhal (hoje Itaara), era muito bom sair a passear com a vovó Amantina, visitar amigas e familiares, colher ou comprar figos brancos direto do pé, pela manhã; comprar rapadurinha de leite e bolo. As casas, onde chegávamos não mais existem, mas saberia localizá-las. Entre elas, a casa onde moraram por muitos anos tia Idalina, irmã da vovó Amantina, e tio André Kurtz seu marido; era outra visita gostosa de fazer; além da casa, a sombra das árvores...! (Propriedade do tio Nilo, por algum tempo).

A vovó Amantina, de quando em quando, ia a Porto Alegre visitar as irmãs – tia Visa (Maria Luiza), tia Laurentina e tia Anatália; os sobrinhos – Ada, Aracy, Erna, Bruno, Bráulio.


Amantina, caminhando na rua da Praia (Porto Alegre) com seu filho Ary.

Na minha formatura no Instituto de Belas Artes, vovó Amantina também foi com a mamãe e papai, Helena e Yolanda (Aloyzio já estava estudando em Porto Alegre). Dela e de vovô Luiz ganhei um anel de topázio, o ouro foi da capa do relógio do vovô.

Em Porto Alegre, enquanto na Faculdade, recebia doces de laranja feitos pela vovó. Sempre bem acondicionados, presos com palitos, gostosos para valer!

Nós nos correspondíamos. Cartas da vovó tenho-as guardadas, entre elas, a que reporta ao seu 42º aniversário de casamento:

“Querida Lia!
... agradeço pela felicitação que recebemos ... data tão velha,
que... nós não se alembramos mais; pois tua mãe veio de manhã,
estávamos tomando café, levamos até susto com um boquet de
rosas do jardim d’ ella, e nos felicitou ...
tua avó Amantina”


Muito a vovó costurou para fora para ajudar nas despesas da casa e estudo dos filhos. O enxoval para o tio Nilo e tio Walter foi feito por ela. Lembro a perfeição dos pijamas, robes, camisas, lençóis e fronhas. A vovó bordava à máquina lindas toalhas e blusas com entremeio e bordado.

As janelas da casa tinham cortinas costuradas pela vovó. Lembro que, quando fomos a Itajaí - noivado do tio Ary e Eugênia - na oportunidade, fomos a Brusque visitar fábricas. A vovó se encantou por um tecido com borboletas, comprando alguns metros para as janelas da sua casa que era nova (na esquina da Floriano). Logo que chegou em Santa Maria, costurou-as, decorando a casa com um gosto tão especial!

Era muito faceira com ela mesma: unhas bem cuidadas, gostava de usar pó de arroz sempre que saía de casa.

A comida da vovó era muito gostosa, assim como o pão de casa e os doces. O vovô também gostava de cozinhar, fazendo juntos conservas de repolho, pepino e cebola.

O vovô Luiz também tinha muitas relações. À tardinha quando sentado na área de entrada da casa, quem passava tinha uma palavra para ele. Sempre tinha assunto, brincadeiras com adultos e crianças. Diariamente, estavam lá, com ele, o Soda ou o João Link (irmão da vovó Maria) e um amigo do prado. No tempo da guerra, escutavam as notícias, bem em surdina, pelo rádio.

O vovô e o papai (Bortholo) gostavam de passar um tempo conversando os mais variados assuntos, recordando, planejando ...

Gostava muito de fazer brincadeiras com os netos, eram trotes e histórias inventadas por ele. No verão, gostava de sestear deitado no chão. Uma vez, fez que estava dormindo, roncando; os guris – Aloyzio e Salvador espalharam talco no rosto, nos cabelos e no corpo dele; depois de compartilhar de toda a brincadeira, o vovô deu um ronco tão grande que esparramou a gurizada.


LUIZ E AMANTINA, MEUS AVÓS

Maria Helena Cechella Achutti.


A casa, um chalé grande... área da frente aberta, contornada com madeira recortada...

Na pequena saleta, escritório do vovô Luiz, encontravam-se objetos que eu apreciava com um certo encanto. O telefone, colocado numa altura que eu dificilmente alcançaria, tinha uma manivela, o som era forte, estridente também, a vitrola do tio Ary. Os objetos da saleta não faziam parte do nosso uso, uso das crianças. Alguns móveis lá estavam: a escrivaninha onde vovô guardava seus papéis e anotações, cadeiras e chapeleira que permaneceram como parte do mobiliário da casa durante todo o período de suas vidas.

O quarto de hóspedes era claro, quieto, sem movimento. Além da janela que abria para a frente da casa, havia outra ao lado. Por ela via-se do alto, principalmente para nós crianças, o chão um tanto arenoso, acinzentado, com inúmeros e pequeninos casquetes da parte superior da flor dos eucaliptos plantados no correr da casa. Árvores altas!

Gostávamos de brincar com estes pequeninos casquetes. Vejo-me acocorada, arrumando-os em filas retas ou curvas como pelotões de soldadinhos, marchando! Passar pela porta da varanda que dava acesso ao jardim, não era tão comum. Ficava um pouco alta. Aberta, indicava dia de festa, domingo?! Nosso entrar e sair da casa se fazia, com maior freqüência pela chamada porta dos fundos. As paredes internas da varanda eram pintadas de cor azul claro, um tanto desmaiado. A uma distância de meio metro do forro, aproximadamente, havia um friso como acabamento da pintura. Os móveis eram aqueles que sempre conhecemos na casa de nossos avós: no centro, mesa quadrada com cadeiras, cadeiras de braço com encosto arredondado, modelo das que foram feitas para o quartel do 7º RI, ainda, pequenas gôndolas com bracinhos retos que guardamos como lembrança, um divã junto à parede comum à saleta e, na parede oposta, a cristaleira. Todos, móveis feitos pelo vovô Luiz na sua própria fábrica. A cristaleira tinha também o seu encanto. Nela, por vezes, a vovó escondia os doces caseiros para que o vovô não os comesse, todos, logo. Também eram guardados os ninhos de Páscoa. Envolvendo a lâmpada do centro da varanda, havia um abajur. Era lindo, grande, de madeira recortada com serrinha, pintado de preto, forrado internamente com pano verde. Trabalho do tio Ary.

A cozinha, local onde se faziam as refeições, era ampla, clara com sua janela sempre aberta. O fogão a lenha, com chapa de ferro, caldeira ao lado, era grande, espaçoso. Havia um pano bordado, com dizeres, atrás do fogão, como era hábito usar.


Vovó - minhas remotas lembranças.
Vovó Amantina preparava a comida com prazer. Vejo-a, não só preparando as refeições principais, mas também, ocupando-se em fazer bolo, pão, doce de laranja azeda, marmelada, perada, creme de vinho, creme de laranja, de leite. Preparava os cremes em uma forma cujo molde era um peixe. O creme de vinho era servido com molho de leite; o creme de leite com molho de vinho, o de laranja com calda de açúcar, assim, o “peixe” ora era de cor roxa , ora branco ou laranja.

Vovó era econômica. Ao costurar, guardava a linha dos alinhavos para reaproveitá-la depois. Mamãe (Luiza) e, acredito que vovó Amantina também, confeccionaram peças de roupa para o próprio uso, a partir de ternos de lã masculino. As peças de lã eram descosturadas, lavadas e viradas ao avesso. Lembro-me de um lindo conjunto de inverno da mamãe, feito desta maneira.

Recordo o acordar de madrugada para ir à Missa da Ressurreição com a vovó. Isso no início dos anos 40, quando Lia e eu morávamos com a vovó e o vovô. Tínhamos vindo estudar em Santa Maria, preparávamo-nos para o exame de Admissão ao Ginásio, enquanto mamãe, papai e Aloyzio permaneceram em Agudo, ainda por algum tempo.

Vovó era protestante de confissão Luterana, tornou-se católica, a partir do seu casamento com o vovô Luiz. Procurou aperfeiçoar seus conhecimentos na fé. Participou da Associação de Senhoras Católicas.

Relacionava-se bem com senhoras mais moças que, com ela, por vezes, se aconselhavam (senhoras da família ou amigas, também vizinhas).


Vovô Luiz sabia agradar a todos.
Uma figura inesquecível para os netos. Cada um de nós tem algo de agradável para contar ... uma vivência querida.

As brincadeiras e jogos com seus filhos meninos Nilo, Walter e Ary foram repetidas mais tarde com os netos Aloyzio, Salvador, Guido: abóbora recortada com vela acesa à noite, caçar “enhola” (enho) ou “periá” (preá), pegar passarinho, tentando colocar sal no rabo ...A Páscoa com “ovo de elefante” do Tinho; para muitos de nós, os ovos coloridos escondidos entre as plantas no jardim com a cumplicidade da vovó Amantina; o coelho deixando marcas, sua roupa rasgada na cerca de arame farpado!

Encontrar um raminho na fechadura da porta era sinal de que vovô Luiz tinha passado por nossas casas sem que o tivéssemos visto.

“Agora vou estragar o chimarrão” dizia, acrescentando açúcar para que nós, ainda um tanto crianças, pudéssemos apreciá-lo...

Vovô Luiz cozinhava bem e fazia-o, muitas vezes, em tom de brincadeira.

Destacar o gosto do vovô Luiz pelo cultivo das plantas é inevitável. Lembro-me do seu interesse pelo pé de café, pelas batatas e tomates cultivados quando já morava em sua propriedade menor, na esquina da rua Floriano Peixoto com a Manuel Ribas (antiga Pinheiro Machado). Em certo período, quando vovó Amantina já tinha falecido, vejo-o com entusiasmo ir para o Pinhal plantar na propriedade do tio Nilo (“milho, trigo, cebola”, complementou o Guido) e na chácara do tio Salvador (“os eucaliptos ainda lá se encontram!” continuou o Guido).

Um dos seus assuntos favoritos eram as plantas. Sempre tinha o que mostrar ou contar referente a elas.


Luiz Cechella e o neto Guido Cechella Isaia, no Pinhal (hoje Itaara - município emancipado de S.Maria).
(Foto Bortholo Achutti).


As bodas
Bodas de Prata de nossos avós, Amantina e Luiz, nos seus 45 anos de idade, rodeados pelos seus cinco filhos: as duas filhas já casadas, os três filhos com idade de 12, 19 e 20 anos, estudando ou já terminando sua formação profissional; o encanto de ter três netas 1, 4 e 6 anos - e, recentemente, um neto!

Fortes, tomando conta, providenciando eles próprios, a comemoração de data tão significativa, cuidando para que se tivesse uma lembrança, passados os anos.

Assim, todos se prepararam para ir ao fotógrafo Koehn, de família amiga: os adultos homens com suas bonitas gravatas, tendo o cuidado de deixar as pontinhas dos lenços aparecerem no bolso superior do casaco... a mãe com o seu melhor traje, destacando-se nele um delicado jabô de cor lilás, salpicado de bolinhas em tom mais escuro; as filhas em trajes sóbrios e por certo elegantes! As netas maiores com vestidinhos fofos feitos de lãzinha pela filha mãe Luiza e, Edith, também filha e mãe, tranqüila, com seu bebê no colo, usando já, talvez, o seu primeiro sapatinho de couro macio!


Bodas de Prata de Luiz e Amantina Isabella Cechella (Foto Koehn - 25-09-1934).
Em pé (da esquerda para direita): Bortholo (genro), Walter, Ary, Nilo e Salvador (genro).
Primeiro plano: Lia (neta), Luiza com o filho Aloyzio no colo, Maria Helena (neta), Amantina, Luiz, Edith com a filha Yolanda no colo.

Foi o chalé grande da rua Floriano Peixoto que serviu de abrigo aos que foram comemorar o 25 de setembro, em 1934.

Passados mais 25 anos, e estávamos todos, em 1959, comemorando as Bodas de Ouro! Agora, na casa da filha Luiza. Os avós estão mais frágeis, os filhos e os netos tudo providenciam: uma Missa em casa com a bênção do sacerdote... um almoço festivo... a fotografia para guardar.


Bodas de Ouro de Luiz e Amantina Isabella Cechella com os filhos, noras e genros (Foto Imperial - 25-09-1959).
Em pé (da esquerda para direita): Lucy e Walter, Bortholo e Luiza, Emília e Nilo, Eugênia e Ary, Edith e Salvador.

As netas mostram um sorriso de ternura... os netos, ao todo em número de treze, dividem com o avô, Luiz, o sobrenome Cechella que era só seu...! O bisneto, no colo, parece tudo apreciar...

Deste dia feliz e abençoado, guardamos as palavras do sacerdote Monsenhor Frederido Didonet, que presidiu a celebração:

... a presença de uma mãe é sempre importante na família.... não importa como ela esteja...!



Bodas de Ouro de Luiz e Amantina Isabella Cechella com os 13 netos e 1 bisneto.
Da esquerda para direita: Geraldo, Salvador, Aloyzio, Guido, Luiz Fernando, Paulo Geraldo e Walter.
Em 2º plano: José Luiz, Rafael, Cláudio, João Carlos, Nilo Sérgio. Em 1º plano: Amantina Izabella, tendo à frente o neto Ari,
e Luiz Cechella com o bisneto Luiz Eduardo ao colo (Foto Imperial - 25-09-1959).



Bodas de Ouro de Luiz e Amantina Isabella Cechella com as netas (Foto Imperial - 25-09-1959).
Da esquerda para direita: Verônica, Maria Helena, Maria Elizabeth, Yolanda, Lia Maria, Suzana e Inês.



Bodas de Ouro de Luiz e Amantina Isabella Cechella com netos e bisneto.
Da esquerda para direita: Aloyzio e Valderês Robinson Achutti; José de Mello e Yolanda Isaia de Mello.
(Foto Imperial - 25-09-1959)


RECORDANDO VOVÔ E VOVÓ!

Yolanda Isaia de Mello.


Acerca do vovô Luiz e vovó Amantina lembro-os como pessoas especiais, vovô muito alegre e brincalhão e vovó mais formal e fechada, porém muito sociável, tendo muitas amigas. Ela tinha o hábito de visitar parentes e amigas, levando sempre as netas consigo.

Vovô gostava de inventar brincadeiras, principalmente, quando a vovó estava ausente. Uma delas era abrir os vidros de doces, que ela tanto prezava, fazendo mistérios para a gente guardar segredo.

Lembro-me de minha mãe dizer que vovó era exímia costureira, costurava vestidos lindos, maravilhosos, de muito bom gosto.

Em decorrência disto, ela recebia figurinos de última moda vindos da Alemanha, deixando de recebê-los em conseqüência da Guerra. Como eu gostava de folheá-los, ela me dava de presente aqueles que ela não utilizava mais. Acredito que por ter convivido neste ambiente, por algum tempo dediquei-me à alta costura.

Também, foi no período da Guerra que o hábito da vovó, tia Luiza e mamãe falarem alemão, principalmente assuntos que queriam ocultar das crianças, deixou de acontecer.

Já na minha juventude, lembro deles mais velhos, quando, segundo a vontade de minha mãe, era uma obrigação prazerosa passarmos um dia da semana com eles. Nossa convivência era muito agradável, cheia de surpresas preparadas pelo vovô e pelas deliciosas refeições que eles ofereciam.


Luiz e Amantina Cechella, na praia de Cabeçudas, Itajaí-SC.



MEUS AVÓS - LUIZ E AMANTINA IZABELLA

Luiz Fernando Cechella.


Luiz:
Homem honesto, trabalhador, bondoso e, ao mesmo tempo, enérgico, e determinado. Alegre, contador de piadas, tinha uma palavra para cada situação ou pessoa. Solidário, ajudava a todos que o procuravam. Sua rotina diária era da casa para o trabalho (Caixa Rural) e do trabalho para casa. Habitualmente, retornava a casa ao meio dia para almoçar, voltando ao trabalho à tarde. Ao fim do dia, após o banho, fazia um chimarrão e ficava em frente da casa apreciando o movimento e trocando algumas palavras com os conhecidos que passavam.

Em algumas ocasiões, aventurava-se na cozinha, fazendo algumas iguarias. Levava uma vida metódica, calma, sempre em paz com a vida. Anos mais tarde, eu, já casado, com os filhos mais velhos, às vezes, nos encontrávamos no prado onde ele ia com freqüência, aos domingos. Conhecia tudo: o cavalo, o tratador, o jóquei, a pista de corrida, o proprietário.

Neste tempo, vovó já tinha falecido e ele, aposentado, morava com sua filha Luiza e as netas Lia e Helena. Era para nós motivo de grande alegria, encontrá-lo. Veio a falecer em 1967.


Amantina Izabella:
Mulher sincera, trabalhadora, enérgica, personalidade forte, como toda alemã. Educadora, tendo sabido transmitir a seus filhos princípios morais e éticos que defenderam durante todas as suas vidas.

Dedicava-se aos trabalhos manuais: costura, tricô, crochê. Dona de casa impecável, atendendo a tudo e a todos com atenção e carinho. Gostava da natureza, tendo, em frente da casa, um belo jardim ao qual se dedicava nas horas vagas. Apesar de sua personalidade, muitas vezes forte, era delicada, amável e sensível, procurando sempre agradar às pessoas que a procuravam, oferecendo sua atenção, carinho, dedicação e seus trabalhos manuais domésticos.

Ao final de sua vida, lembro-a queixando-se de sua falta de visão, que a impedia de realizar algumas tarefas com mais precisão e beleza. Era hipertensa, enfermidade que, com o passar dos anos, afetou seus órgãos vitais, vindo a falecer, pela falência dos mesmos.

Eu e meu irmão Paulo moramos alguns anos com o vô e a vó e, por isto, o que aqui se relata é a lembrança desse tempo vivido junto com eles. Como dever, devíamos primeiro, realizar as tarefas escolares, decorar a tabuada..., antes de qualquer outra atividade. Como lazer, nos fins de semana, costumávamos passear no Pinhal, em Itaara, ou na pedreira do tio Walter. Muitas foram as vivências junto a eles, lembranças que guardamos conosco.


CARTA PARA MEU AVÔ

Inês Isaia Splettstosser.


Querido Vovô Luiz

Lembra dos nossos segredinhos?... Agora resolvi contar alguns para ti. Sempre tive muita vontade de te dizer como foste importante na minha infância. Trago lembranças deliciosas como o gostinho do “mate com açúcar” que deixavas eu tomar quando a água do chimarrão não estava mais quente; do bifinho na chapa do fogão à lenha que fazias no retorno de teu trabalho... era tudo tão carinhoso!

Divertido era olhar lá para cima do armário do banheiro e ver as compotas e conservas - numa altura incomensurável – todas hermeticamente fechadas, esperando para serem degustadas. E eu detestava o repolho - chucrute - mas amava os doces... Mais importante que comer e beber eram tuas histórias inventadas e contadas: as verdades transformadas, as doenças abafadas; enfim, os segredos compartilhados...

Lembra do nosso Pé de Amora?! Ah... se ele falasse! Nossas confidências eram abafadas por sua sombra e, aos nossos pés, tínhamos um tapete de amoras maduras, gentilmente esmagadas pela nossa impaciência. O chazinho da tarde era servido no abrigo daqueles galhos, numa mesinha pequena e redonda, toalha branca e bordada, e com aquelas xicrinhas de porcelana que a vovó guardava em sua cristaleira.

Este era meu prazer preferido, a tua companhia me transmitindo conhecimentos, ilusão e segurança, acorrentando minha admiração por ti. E por saberes da importância deste nosso ritual, na partilha das louças da vovó, me presenteaste com seis delas. Sabias como eram divertidos nossos encontros de comadres - não era assim, comadres, que chamavas Maria Aparecida e eu?

Sabes, vovô, estas xicrinhas estão perpetuadas não só no meu Museu interior, mas também em destaque na vitrine existente na sala da minha casa. Se eu pudesse te enviar uma foto do meu Museu - o da vitrine - com certeza tu verias (como eu muitas vezes vejo) o reflexo da amoreira sobrepondo-se a linda pintura de flores ao redor das xicrinhas.

Nestas ocasiões sinto uma saudade latejante das nossas conversas, onde nelas plantaste uma sementinha, que hoje germina nos papos com meu neto. Através da vida, de ti e de meus outros antepassados herdei esta natureza meio impaciente de ser, de agir, em contrapartida à preguiça de escrever. Por isso, levei tantos anos para te revelar o que trago no íntimo do meu coração.

Foi a tua natureza simples bondosa e brincalhona que deixaste arraigada em um horizonte de menina que, hoje, na maturidade, percorre uma estrada confiável e feliz.

Quantos anos, vovô? Não importa... Eu tenho as xicrinhas na vitrine das recordações!

Um abraço bem apertado de tua neta, INÁ.


Luiz Cechella tomando chimarrão em sua casa na rua Floriano Peixoto, nº 111, anos 60.
(Foto Bortholo Achutti).




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